terça-feira, abril 10, 2007

Promulgo, mas

Cavaco Silva, finalmente, lá se deu ao trabalho de promulgar a nova lei sobre a despenalização do aborto. Digo “deu-se ao trabalho”, porque a julgar pelo seu comunicado, custou fazê-lo.

A mensagem que envia à Assembleia da República é cheia de preconceitos, cheia de condicionantes, cheia de todas as tretas moralistas que tivemos que aturar na campanha. Continua a ver a mulher como uma coitadinha, uma tolinha, que decide abortar porque não tem outro remédio, porque não sabe o que fazer. De novo, o discurso de que quando uma mulher decide abortar “não pode estar em si”, não corresponde a uma decisão racional, porque a mulher, coitadinha, é uma perdida, precisa de ajuda dos médicos, do Estado, e sabe-se lá mais de quem, para ousar fazer alguma coisa que diga respeito à sua própria saúde sexual e reprodutiva, à sua intimidade, à sua vida.

Informar a mulher, acha Cavaco, é “mostrando-se-lhe a respectiva ecografia” e “sobre as possíveis consequências desta para a sua saúde física e psíquica”. Here we go again. Para além de ser Presidente, mandar bitaites sobre aquilo que não pode, nem tem poder para - a regulamentação da lei está a cargo apenas ao Parlamento e ao Governo, prega o choradinho das ecografias e vem com a canção que o aborto têm consequências psíquicas, é um “mal social”, e deve-se lembrar às mulheres que a adopção é uma via possível. Quase me estou a lembrar de uma Alexandra Teté ou de uma Isilda Pegado a dizerem que as mulheres que abortam têm tendência para o alcoolismo e acidentes de viação. De um João César das Neves também se vislumbram traços, de um Gentil Martins a agitar o diploma de medicina e o juramento de Hipócrates. Cavaco até apela que a “publicidade comercial da oferta de serviços de interrupção da gravidez” seja restringida e disciplinada. Porque a sexualidade responsável, no entender de Cavaco, visa a natalidade.

Para Cavaco Silva, a campanha e o debate passaram-lhe ao lado. Vejo que para Cavaco, é lhe indiferente que foi a palavra e vontade “SIM” que passou a constar na sociedade portuguesa no dia 11 de Fevereiro. Que foram 2.231.529 - 59,25% de votantes que disseram “SIM”.

Cavaco no decorrer da campanha foi criticado pelo seu silêncio opinativo. Confirma-se agora, aquilo que todos já sabíamos, teria dado imenso jeito aos opositores da legalização da IVG que Cavaco tivesse dado o ar de sua graça e balbuciasse este tipo de pérolas. Mas nessa altura, Cavaco, lembrou-se que era presidente da República, e por mais que lhe custasse, não se poderia meter ao barulho. Agora tenta-se redimir com os seus “old palls”, a dizer "promulgo, mas antes tenho que dar este pequenino sermão".

Mas, nada. Lei promulgada é lei. E nem Cavaco, nem ninguém, está acima da lei.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Eu francamente quase que me engasgava a ler o que aqui escreveram. Dizem que Cavaco Silva «Continua a ver a mulher como uma coitadinha, uma tolinha, que decide abortar porque não tem outro remédio, porque não sabe o que fazer.» Julgarão V. Exs. porventura que uma mulher que aborta não é uma coitadinha? Reiterarão que é uma pessoa de uma integridade psicológica e social perfeita? Estou ciente que V. Ex., Sra. Inesinho, proclama a solidez dos carácteres femininos: por isso mesmo cai numa trapalhada absurda. As mulheres que abortam não são coitadinhas. Tudo bem. Abortam porquê? Porque são felizes e venturosas?! E quanto a esse "abortar por não ter outro remédio" louvo o facto que V. Ex. reconheça alternativas sensatas ao aborto (francamente, há contraceptivos que cheguem e quem presta atestado de menoridade mental às mulheres é V. Ex, por lhes reivindicar soluçoes irresponsaveis e inumanas!!).
A Sr. D. Inesinho, em vez de reinvidicar ajudas para quem realmente precisa (quantas mulheres já ajudou a serem mães??!!) quer o 'abortinho' 100% free: realmente, não se prive!! Bah!!

11:39 da tarde  
Blogger inesinho said...

Pois não. Não me privo em pensar que as mulheres são seres perfeitamente capazes de tomarem decisões em consciência. Seja prosseguir com uma gravidez, seja não a levar em diante. Não me privo em respeitar essa decisão, seja ela qual for, seja porque razão for.

E por não concordar com os recadinhos do presidente da República não significa que não considere o apoio social, planeamento familiar ou educação sexual responsável de extrema importância.

1:20 da manhã  

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